domingo, 3 de fevereiro de 2013



 O LIXO NOSSO DE CADA DIA: EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL COM ESTUDANTES DE EJA

Por: Clarissa Bastos de Oliveira

Essa experiência foi realizado no Colégio Estadual Luiz Viana Filho, em três turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) Terceiro Tempo Formativo - o que corresponde ao Ensino Médio – nas aulas de Geografia.
Mas antes de falar sobre a experiência é importante conhecer as características dos estudantes de EJA nessa unidade escolar. De forma geral existe dois grupos de alunos: aqueles que nunca pararam de estudar, mas por motivos diversos não conseguiram concluir o Ensino Médio na idade correta. A faixa etária desse grupo é de 18 a 22 anos. E adultos com mais de 25 anos que tem mais de 5 anos sem estudar. A justificativa do porquê deixaram de estudar são as mais diversas como: casamento, trabalho e gravidez na adolescência. A grande maioria são trabalhadores, o que faz que alguns cheguem muito atrasados na escola, pois o horário de saída excede às 19 horas. Além disso tudo, os professores receberam poucas orientações ou nenhuma pra lhe dá com esse grupo de educandos e não existe livro didático para os Eixos VI e VII de EJA .
Sendo assim, um professor de EJA tem que pensar todos esses aspectos na hora de planejar suas aulas. Ele vai receber um aluno exausto, muitas vezes com fome, por que saiu do trabalho sem se alimentar ou ainda com filhos pequenos na sala de aula. Diante dessas condições como ensinar para garantir aprendizagem dessas pessoas? Como trabalhar a Educação Ambiental, que seja significativo na vida dessas pessoas ao ponto de gerar alguma mudança nos seus comportamentos em relação ao meio ambiente?
De acordo com as orientações da Secretaria de Educação do Estado da Bahia (sem data) os conteúdos trabalhados em EJA não precisam seguir uma hierarquia, como ocorre no ensino regular, mas deverão servir na compreensão da vida sociopolítica, cultural e ambiental dos educandos, preparando-os para o enfrentamento das situações do dia a dia. Abordar o assunto meio ambiente enfocando o lixo, é um assunto do cotidiano dos alunos o que facilita o debate na sala de aula e tornar esse ambiente mais acolhedora, pois estamos conversando sobre sua vida. Segundo Moacir Gadotti,
Torna-se fundamental aprender a pensar autonomamente, saber fazer, saber comunicar-se, saber pesquisar, ter raciocínio lógico, aprender a trabalhar colaborativamente, fazer sínteses e elaborações tóricas, saber organizar o próprio trabalho, ter disciplina, ser sujeito da construção do conhecimento, estar aberto a novas aprendizagens, conhecer as fontes da informação, saber articular o conhecimento com a prática e com outros saberes. (GADOTTI, 2010, p. 14).
Nessa intenção os métodos utilizados foram aulas expositivas, debates, estudos dirigidos, produção de texto, palestra e aula prática. A atuação da professora foi apenas de mediadora, problematizadora, uma organizadora do conhecimento (GADOTTI, 2010)
Aqui vou relatar a atividade que teve mais participação dos educandos. Essa atividade foi denominada “De olho na vizinhança: como seu vizinho se comporta em relação ao lixo?”. Um hábito muito ruim dos adultos – o fuxico – aqui foi utilizado como fonte de pesquisa/observação para ser debatido em sala de aula e depois cada estudante escreveu sobre suas observações. Seguir essa ordem, primeiro o debate depois produção de texto, é muito importante nas turmas de EJA. Existe uma dificuldade muito grande de se expressar oralmente e maior ainda quando se pede para produzir um texto. E quando esses alunos foram estimulados a falar de seus vizinhos, da sua rua, do seu ambiente de trabalho permitiu a conversação entre eles ao ponto da professora fazer inscrição para falas. Algumas observações valem a pena compartilhar aqui:
“Moro na Av. Santos Lopes. Lá quase não tem calçada e o espaço que a gente pode andar é a parte que separa as duas vias. No fim do dia, o comércio joga todo o lixo ali, aí obriga a gente andar perto por onde os carros passam.” R. S. Turma 7.
“Na minha rua tem um edifício de dois andares com vários apartamentos. Alguns moradores tem preguiça de descer para deixar o lixo na rua e simplesmente joga do apartamento. A calçada fica na maior nojeira.” A. C. D. Turma 7.
“No povoado onde moro tem um vizinho que vive de catar lixo e vende. Aí eu separo e tem outras pessoa do povoado que também faz isso para ajudar.” V. R. Turma 6.
“Peguei uma briga com uma vizinha que tinha o quintal cheio de lixo. Já tinha avisado a ele que aquele lixo ia atrair o mosquito da dengue. Quando minha filha ficou com dengue eu fiz a maior confusão com ela” R. N. Turma 5.
“No Povoado Bom Prazer não passa o carro de lixo. Então o povo queima. Vai ficar com o lugar cheio de lixo?” M. L. M. Turma 7.
Percebe-se que cada fala relaciona o lixo ao seu bem estar: ambiente visualmente desagradável, saúde, solidariedade. Não que esses aspectos e valores não sejam importantes, muito pelo contrário. No entanto, outras preocupações não foram expressadas, como a poluição da água e do solo. Mas esses pontos foram jogados no debate pela professora. Depois foi solicitados que os alunos escrevessem um texto/redação com que foi discutido em sala de aula da mesma maneira que se expressaram oralmente. Isso facilitou bastante o desenvolvimento dos textos.
Dentro desse debate foi questionado o destino do lixo de Irecê e das cidades circunvizinhas, a importância da cooperativa de reciclagem e os problemas ambientais causados por ele.
O destino do lixo de Irecê é encaminhado para o lixão à céu aberto, sem controle sanitário, com dejetos hospitalar, domiciliar, agrícola e comercial misturados, gerando elementos tóxicos. Além disso atrai animais vetores de doenças como ratos, mosquitos e baratas comprometendo a saúde de pessoas que moram em comunidades entorno do lixão. Também foi mencionado as outras formas de destinação do lixo: aterros sanitários e incineradores, estes com controle sanitário, possibilitando, em termos o controle ambiental e segurança a saúde. Além disso discutimos a “Regra dos 3 R's” - Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
No final da unidade foi passado um questionário sem valor avaliativo para os alunos, mas para avaliar o projeto aplicado na 2ª unidade. Apenas 24 alunos responderam o questionário (apesar de muito mais alunos participarem das atividades). Quando foram perguntados sobre o ato de separar o lixo em recicláveis e não recicláveis obtivemos as seguintes respostas:
  • 8 (oito) alunos responderam que não separa o lixo;
  • 6 (seis) alunos responderam que sempre separou o lixo e;
  • 10 (dez) alunos responderam que passaram a separar o lixo depois das discussões na escola.
Isso mostra que a Educação Ambiental é um importante instrumento na transformação de atitudes. Nós, seres humanos, temos o poder de fazer escolhas, e o processo educacional pode contribuir para a mudança comportamental, mudança no modo de vida – de um estilo poluidor e consumista de vida para uma nova relação saudável com o planeta, e a Educação Ambiental torna isso mais fácil, pois é um processo educativo permanente, dinâmico criativo e interativo. E através da dialogicidade, seres inacabados (educando e educador) se tornam seres éticos, dedicados na construção e ao exercício da cidadania e que se sintam parte da vida planetária (FREIRE, 1997; GADOTTI, 2008; NARDI, 2005).
Como afirma Moacir Gadotti (2009) no seu livro Educação de Adultos como Direito Humano:
Precisamos mudar a visão do sujeito da Educação de Adulto. Ele não é carente e vulnerável, mas sujeito de direitos, sujeito que não é ignorante, que sabe criar saberes , que sabe muitas coisas, como seus saberes essenciais à vida humana e a conservação do planeta. (GADOTTI, 2009, p. 25).

Apesar de ser um trabalho pontual, ele mostrou que é possível a mudança de atitudes através da Educação Ambiental, mesmo que adultos, e que aprendizagem significativa e emancipadora (já que a falta de oportunidade de ingressar na escola na “idade própria” lhes priva da liberdade) pode acontecer de fato. Mas para que isso aconteça, a relação entre educador e educando deve ser de troca, pois nunca é tarde para aprender e ensinar.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade: uma contribuição à década da educação para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008.
________. Educação de Adultos como Direito Humano. São Paulo: Editora e Livraria Paulo Freire, 2009.

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