terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Muamar Kadafi e o Baixio de Irecê

Olá pessoal,
Há algum tempo li esta reportagem sobre o Projeto Baixio de Irecê. As informações nela contidas me deixaram surpresa e preocupada, uma vez que não conheço muito bem o projeto e não poderia imaginar que o governo de Muamar Kadafi pudesse ter qualquer relação com algum projeto desenvolvido no sertão nordestino (ingenuidade minha, não é?). A minha preocupação reside no fato de que é um projeto que se arrasta há vários anos, e até o presente momento não sabemos que consequências (positivas ou negativas) isso trará para a região, principalmente para os agricultores menos favorecidos da região do Baixio.
Se alguém tiver maiores informações, por favor, compartilhe.

Lígia da Silva Ribeiro

Notícia de 20/03/2011
O Globo - RJ ECONOMIA
Jornal Pg. 37
549.6 cm² *

------------------------------------------------------------------------
*Rastros de Kadafi no Brasil*

Rastros de Kadafi no Brasil
Fundo bilionário da Líbia tem interesse em megaprojeto de irrigação na
BA, que divide moradores À MARGEM DO VELHO CHICO Danielle Nogueira
Enviada especial . XIQUE-XIQUE (BA)
Éno sertão baiano, às margens do Rio São Francisco, que o governo de
Muamar Kadafi - envolvido em uma sangrenta disputa com rebeldes para se
manter à frente da Líbia - pode fazer sua grande aposta de investimento
no Brasil.

É lá, nas cidades de Xique-Xique e Itaguaçu da Bahia, a 500 quilômetros
de Salvador, que está sendo implantado um dos maiores projetos de
irrigação do país: o Baixio do Irecê, com orçamento de R$ 880 milhões,
dos quais R$ 550 milhões previstos no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) do governo federal.

O projeto por ora está sendo tocado pela Companhia de Desenvolvimento
dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), estatal ligada ao
Ministério da Integração Nacional, e deve ser licitado ainda este ano no
âmbito das Parcerias Público Privadas. Entre os cotados para ganhar o
leilão está o consórcio formado pela Codeverde - que tem como sócio
majoritário o grupo Odebrecht - e o bilionário fundo soberano da Líbia,
o Libian Arab Foreign Company (Lafico), controlado pelo governo Kadafi e
com investimentos diversos, que inclui até o time de futebol italiano
Juventus.

O consórcio já destinou US$ 1,5 milhão - cada parceiro arcou com metade
dos custos - para o desenvolvimento de uma proposta de modelo de
negócios para a região, apresentada ao governo brasileiro em 2007 e que
hoje está sendo aprimorada pelo Banco Mundial. É ela que servirá de base
para o edital de licitação do Baixio do Irecê. Para a elaboração do
estudo foram contratados na época o banco Santander, a empresa de
engenharia gaúcha Magna e a consultoria de agronegócios FNP.

Odebrecht vendeu terras à estatal ? Segundo a Codevasf, a ideia é
promover, às margens do "Velho Chico", o cultivo de cana-de-açúcar e
frutas, além de grãos como feijão e milho. A produção deve ser iniciada
em cinco anos, e a soma de terras irrigadas será de 48 mil hectares. O
consórcio vencedor terá de apresentar o modelo de aproveitamento das
terras e concluir as obras, até agora realizadas com recursos públicos.
Hoje, já há 42 quilômetros de canais construídos - o equivalente a uma
maratona - de um total de 84 quilômetros. O prazo de concessão será de
35 anos.

- Queremos atrair empresas âncoras para criar escala de produção e
viabilizar a logística. A previsão é que 25% dos lotes sejam reservados
para pequenos e médios produtores, que receberão assistência dos maiores
- diz Clementino de Souza Coelho, presidente interino da Codevasf.

A Codeverde é uma das principais interessadas no projeto. A empresa foi
constituída em 1986 com o objetivo de construir uma espécie de
condomínio rural, no qual uma infraestrutura comum seria usufruída por
diferentes proprietários rurais, algo semelhante ao que se pretende
fazer no Baixio do Irecê. A companhia também aparece em relatório do
Ministério Público da Bahia ao qual O GLOBO teve acesso como ex-titular
de fazendas desapropriadas pela Codevasf para tocar o projeto de
irrigação em Xique-Xique.

Hoje, a Codeverde tem 170 mil hectares na Bahia, área que será reduzida
a 72 mil hectares no fim do mês, após novas vendas de terras à estatal.

A Codeverde não dá detalhes sobre as negociações de terras, mas reitera
seu interesse no projeto. Diz ainda que, mesmo após a Líbia ter entrado
em uma guerra civil, quando o edital de licitação sair consultará o
Lafico para saber se ele manterá sua participação na segunda fase do
empreendimento.

Caso a parceria se confirme, não será a primeira vez que o grupo
Odebrecht fará negócios com o governo de Kadafi.

A empresa é responsável por obras orçadas em US$ 5 bilhões em Trípoli.

Já o interesse da Líbia no Brasil atende à estratégia do Lafico de
diversificar investimentos e fazer do projeto do Irecê uma plataforma de
exportação de alimentos e biocombustíveis.

Em 2010, o país importou US$ 456,1 milhões do Brasil, mais que o dobro
dos US$ 204 milhões de 2009.

Entre os principais itens da pauta de importações estavam minério de
ferro, carne e milho. A aproximação entre os dois países também deve ser
entendida como resultado da estratégia diplomática do ex-presidente Lula
de estreitar laços com o mundo árabe.

Logo após a visita de Lula a nações árabes em 2003, uma missão de
empresários e investidores líbios aterrissou por aqui, dando início às
tratativas em torno do Baixio do Irecê.

- Inicialmente pensamos em um projeto binacional, mas o fundo preferiu
fazer uma parceria com a iniciativa privada - lembra Souza Coelho, da
Codevasf, que adota um discurso pragmático. - Não temos vinculação
societária com o fundo (líbio) nem obrigação de fazer o projeto com eles
apenas porque financiaram a proposta de modelo de negócios. Mas se eles
quiserem participar, a licitação será aberta. Há muitos ditadores
fazendo negócios no Brasil.

Igreja vê riscos para 1.200 famílias ? Enquanto a licitação do Baixio do
Irecê não sai, o projeto divide moradores da região. Segundo estimativas
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), há 23 comunidades, totalizando
1.200 famílias, vivendo no entorno do empreendimento. A maioria vive da
pesca, da pequena lavoura e da criação de animais. A abertura de vagas
com as primeiras fases das obras - a cargo de Andrade Gutierrez, da
goiana Emsa e da mineira Barbosa Mello - enche os olhos de alguns, como
João Vieira de Souza, de 43 anos, morador de Carneiro.

Pai de cinco filhos, Souza tirava o sustento da pesca e da plantação de
mandioca e melancia. Após a chegada das empreiteiras, trabalhou um ano e
sete meses no projeto de irrigação, com carteira assinada e um salário
de R$ 550 mensais. Com o dinheiro, ergueu uma casa de alvenaria - antes
morava em uma de taipa - e conseguiu comprar uma TV colorida.

- Acho que, para quem quer trabalhar, (o projeto) vai ser bom.

Na comunidade vizinha, Boa Vista, é fácil encontrar pessoas contrárias
ao empreendimento. A razão é simples: as terras onde os moradores
criavam seus animais hoje estão cercadas. Foram desapropriadas pela
Codevasf e serão concedidas às empresas vencedoras do leilão. João
Ferreira Santos, de 37 anos, criava suas seis cabeças de gado nas
antigas fazendas sem ser incomodado pelos ex-proprietários.

Agora, sabe que terá de encontrar outra fonte de renda.

- Tive que colocar os bois no circo (um cercado atrás de sua casa).

Só vai piorar daqui para a frente - diz ele, que ganhava cerca de R$ 200
por mês com o gado e a pesca.

O educador da CPT Mauro Jakes Farias da Cruz teme que os moradores sejam
excluídos do projeto.

- A lógica do agronegócio não respeita a cultura das famílias tradicionais.

Eles ocuparam essas terras há décadas e têm de ser respeitados. ? ?
PROCURADORIA INVESTIGARÁ IMPACTO SOBRE PESCA, na página 38


domingo, 3 de fevereiro de 2013



 O LIXO NOSSO DE CADA DIA: EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL COM ESTUDANTES DE EJA

Por: Clarissa Bastos de Oliveira

Essa experiência foi realizado no Colégio Estadual Luiz Viana Filho, em três turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) Terceiro Tempo Formativo - o que corresponde ao Ensino Médio – nas aulas de Geografia.
Mas antes de falar sobre a experiência é importante conhecer as características dos estudantes de EJA nessa unidade escolar. De forma geral existe dois grupos de alunos: aqueles que nunca pararam de estudar, mas por motivos diversos não conseguiram concluir o Ensino Médio na idade correta. A faixa etária desse grupo é de 18 a 22 anos. E adultos com mais de 25 anos que tem mais de 5 anos sem estudar. A justificativa do porquê deixaram de estudar são as mais diversas como: casamento, trabalho e gravidez na adolescência. A grande maioria são trabalhadores, o que faz que alguns cheguem muito atrasados na escola, pois o horário de saída excede às 19 horas. Além disso tudo, os professores receberam poucas orientações ou nenhuma pra lhe dá com esse grupo de educandos e não existe livro didático para os Eixos VI e VII de EJA .
Sendo assim, um professor de EJA tem que pensar todos esses aspectos na hora de planejar suas aulas. Ele vai receber um aluno exausto, muitas vezes com fome, por que saiu do trabalho sem se alimentar ou ainda com filhos pequenos na sala de aula. Diante dessas condições como ensinar para garantir aprendizagem dessas pessoas? Como trabalhar a Educação Ambiental, que seja significativo na vida dessas pessoas ao ponto de gerar alguma mudança nos seus comportamentos em relação ao meio ambiente?
De acordo com as orientações da Secretaria de Educação do Estado da Bahia (sem data) os conteúdos trabalhados em EJA não precisam seguir uma hierarquia, como ocorre no ensino regular, mas deverão servir na compreensão da vida sociopolítica, cultural e ambiental dos educandos, preparando-os para o enfrentamento das situações do dia a dia. Abordar o assunto meio ambiente enfocando o lixo, é um assunto do cotidiano dos alunos o que facilita o debate na sala de aula e tornar esse ambiente mais acolhedora, pois estamos conversando sobre sua vida. Segundo Moacir Gadotti,
Torna-se fundamental aprender a pensar autonomamente, saber fazer, saber comunicar-se, saber pesquisar, ter raciocínio lógico, aprender a trabalhar colaborativamente, fazer sínteses e elaborações tóricas, saber organizar o próprio trabalho, ter disciplina, ser sujeito da construção do conhecimento, estar aberto a novas aprendizagens, conhecer as fontes da informação, saber articular o conhecimento com a prática e com outros saberes. (GADOTTI, 2010, p. 14).
Nessa intenção os métodos utilizados foram aulas expositivas, debates, estudos dirigidos, produção de texto, palestra e aula prática. A atuação da professora foi apenas de mediadora, problematizadora, uma organizadora do conhecimento (GADOTTI, 2010)
Aqui vou relatar a atividade que teve mais participação dos educandos. Essa atividade foi denominada “De olho na vizinhança: como seu vizinho se comporta em relação ao lixo?”. Um hábito muito ruim dos adultos – o fuxico – aqui foi utilizado como fonte de pesquisa/observação para ser debatido em sala de aula e depois cada estudante escreveu sobre suas observações. Seguir essa ordem, primeiro o debate depois produção de texto, é muito importante nas turmas de EJA. Existe uma dificuldade muito grande de se expressar oralmente e maior ainda quando se pede para produzir um texto. E quando esses alunos foram estimulados a falar de seus vizinhos, da sua rua, do seu ambiente de trabalho permitiu a conversação entre eles ao ponto da professora fazer inscrição para falas. Algumas observações valem a pena compartilhar aqui:
“Moro na Av. Santos Lopes. Lá quase não tem calçada e o espaço que a gente pode andar é a parte que separa as duas vias. No fim do dia, o comércio joga todo o lixo ali, aí obriga a gente andar perto por onde os carros passam.” R. S. Turma 7.
“Na minha rua tem um edifício de dois andares com vários apartamentos. Alguns moradores tem preguiça de descer para deixar o lixo na rua e simplesmente joga do apartamento. A calçada fica na maior nojeira.” A. C. D. Turma 7.
“No povoado onde moro tem um vizinho que vive de catar lixo e vende. Aí eu separo e tem outras pessoa do povoado que também faz isso para ajudar.” V. R. Turma 6.
“Peguei uma briga com uma vizinha que tinha o quintal cheio de lixo. Já tinha avisado a ele que aquele lixo ia atrair o mosquito da dengue. Quando minha filha ficou com dengue eu fiz a maior confusão com ela” R. N. Turma 5.
“No Povoado Bom Prazer não passa o carro de lixo. Então o povo queima. Vai ficar com o lugar cheio de lixo?” M. L. M. Turma 7.
Percebe-se que cada fala relaciona o lixo ao seu bem estar: ambiente visualmente desagradável, saúde, solidariedade. Não que esses aspectos e valores não sejam importantes, muito pelo contrário. No entanto, outras preocupações não foram expressadas, como a poluição da água e do solo. Mas esses pontos foram jogados no debate pela professora. Depois foi solicitados que os alunos escrevessem um texto/redação com que foi discutido em sala de aula da mesma maneira que se expressaram oralmente. Isso facilitou bastante o desenvolvimento dos textos.
Dentro desse debate foi questionado o destino do lixo de Irecê e das cidades circunvizinhas, a importância da cooperativa de reciclagem e os problemas ambientais causados por ele.
O destino do lixo de Irecê é encaminhado para o lixão à céu aberto, sem controle sanitário, com dejetos hospitalar, domiciliar, agrícola e comercial misturados, gerando elementos tóxicos. Além disso atrai animais vetores de doenças como ratos, mosquitos e baratas comprometendo a saúde de pessoas que moram em comunidades entorno do lixão. Também foi mencionado as outras formas de destinação do lixo: aterros sanitários e incineradores, estes com controle sanitário, possibilitando, em termos o controle ambiental e segurança a saúde. Além disso discutimos a “Regra dos 3 R's” - Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
No final da unidade foi passado um questionário sem valor avaliativo para os alunos, mas para avaliar o projeto aplicado na 2ª unidade. Apenas 24 alunos responderam o questionário (apesar de muito mais alunos participarem das atividades). Quando foram perguntados sobre o ato de separar o lixo em recicláveis e não recicláveis obtivemos as seguintes respostas:
  • 8 (oito) alunos responderam que não separa o lixo;
  • 6 (seis) alunos responderam que sempre separou o lixo e;
  • 10 (dez) alunos responderam que passaram a separar o lixo depois das discussões na escola.
Isso mostra que a Educação Ambiental é um importante instrumento na transformação de atitudes. Nós, seres humanos, temos o poder de fazer escolhas, e o processo educacional pode contribuir para a mudança comportamental, mudança no modo de vida – de um estilo poluidor e consumista de vida para uma nova relação saudável com o planeta, e a Educação Ambiental torna isso mais fácil, pois é um processo educativo permanente, dinâmico criativo e interativo. E através da dialogicidade, seres inacabados (educando e educador) se tornam seres éticos, dedicados na construção e ao exercício da cidadania e que se sintam parte da vida planetária (FREIRE, 1997; GADOTTI, 2008; NARDI, 2005).
Como afirma Moacir Gadotti (2009) no seu livro Educação de Adultos como Direito Humano:
Precisamos mudar a visão do sujeito da Educação de Adulto. Ele não é carente e vulnerável, mas sujeito de direitos, sujeito que não é ignorante, que sabe criar saberes , que sabe muitas coisas, como seus saberes essenciais à vida humana e a conservação do planeta. (GADOTTI, 2009, p. 25).

Apesar de ser um trabalho pontual, ele mostrou que é possível a mudança de atitudes através da Educação Ambiental, mesmo que adultos, e que aprendizagem significativa e emancipadora (já que a falta de oportunidade de ingressar na escola na “idade própria” lhes priva da liberdade) pode acontecer de fato. Mas para que isso aconteça, a relação entre educador e educando deve ser de troca, pois nunca é tarde para aprender e ensinar.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade: uma contribuição à década da educação para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008.
________. Educação de Adultos como Direito Humano. São Paulo: Editora e Livraria Paulo Freire, 2009.