O LIXO NOSSO DE CADA DIA: EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL COM
ESTUDANTES DE EJA
Por: Clarissa Bastos de Oliveira
Essa experiência foi realizado no Colégio Estadual Luiz Viana
Filho, em três turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos)
Terceiro Tempo Formativo - o que corresponde ao Ensino Médio –
nas aulas de Geografia.
Mas antes de falar sobre a experiência é importante conhecer as
características dos estudantes de EJA nessa unidade escolar. De
forma geral existe dois grupos de alunos: aqueles que nunca pararam
de estudar, mas por motivos diversos não conseguiram concluir o
Ensino Médio na idade correta. A faixa etária desse grupo é de 18
a 22 anos. E adultos com mais de 25 anos que tem mais de 5 anos sem
estudar. A justificativa do porquê deixaram de estudar são as mais
diversas como: casamento, trabalho e gravidez na adolescência. A
grande maioria são trabalhadores, o que faz que alguns cheguem muito
atrasados na escola, pois o horário de saída excede às 19
horas. Além disso tudo, os professores receberam poucas orientações
ou nenhuma pra lhe dá com esse grupo de educandos e não existe
livro didático para os Eixos VI e VII de EJA .
Sendo assim, um professor de EJA tem que pensar todos esses aspectos
na hora de planejar suas aulas. Ele vai receber um aluno exausto,
muitas vezes com fome, por que saiu do trabalho sem se alimentar ou
ainda com filhos pequenos na sala de aula. Diante dessas condições
como ensinar para garantir aprendizagem dessas pessoas? Como
trabalhar a Educação Ambiental, que seja significativo na vida
dessas pessoas ao ponto de gerar alguma mudança nos seus
comportamentos em relação ao meio ambiente?
De acordo com as orientações da Secretaria de Educação do Estado
da Bahia (sem data) os conteúdos trabalhados em EJA não precisam
seguir uma hierarquia, como ocorre no ensino regular, mas deverão
servir na compreensão da vida sociopolítica, cultural e ambiental
dos educandos, preparando-os para o enfrentamento das situações do
dia a dia. Abordar o assunto meio ambiente enfocando o lixo, é um
assunto do cotidiano dos alunos o que facilita o debate na sala de
aula e tornar esse ambiente mais acolhedora, pois estamos conversando
sobre sua vida. Segundo Moacir
Gadotti,
Torna-se
fundamental aprender
a pensar autonomamente,
saber fazer, saber comunicar-se, saber pesquisar, ter raciocínio
lógico, aprender a trabalhar colaborativamente, fazer sínteses e
elaborações tóricas, saber organizar o próprio trabalho, ter
disciplina, ser sujeito da construção do conhecimento, estar aberto
a novas aprendizagens, conhecer as fontes da informação, saber
articular o conhecimento com a prática e com outros saberes.
(GADOTTI, 2010, p. 14).
Nessa
intenção os métodos utilizados foram aulas expositivas, debates,
estudos dirigidos, produção de texto, palestra e aula prática. A
atuação da professora foi apenas de mediadora, problematizadora,
uma organizadora do conhecimento (GADOTTI, 2010)
Aqui vou relatar a atividade que teve mais participação
dos educandos. Essa atividade foi denominada “De olho na
vizinhança: como seu vizinho se comporta em relação ao lixo?”.
Um hábito muito ruim dos adultos – o fuxico – aqui foi utilizado
como fonte de pesquisa/observação para ser debatido em sala de aula
e depois cada estudante escreveu sobre suas observações. Seguir
essa ordem, primeiro o debate depois produção de texto, é muito
importante nas turmas de EJA. Existe uma dificuldade muito grande de
se expressar oralmente e maior ainda quando se pede para produzir um
texto. E quando esses alunos foram estimulados a falar de seus
vizinhos, da sua rua, do seu ambiente de trabalho permitiu a
conversação entre eles ao ponto da professora fazer inscrição
para falas. Algumas observações valem a pena compartilhar aqui:
“Moro na Av. Santos Lopes. Lá quase não tem calçada
e o espaço que a gente pode andar é a parte que separa as duas
vias. No fim do dia, o comércio joga todo o lixo ali, aí obriga a
gente andar perto por onde os carros passam.” R. S. Turma 7.
“Na minha rua tem um edifício de dois andares com
vários apartamentos. Alguns moradores tem preguiça de descer para
deixar o lixo na rua e simplesmente joga do apartamento. A calçada
fica na maior nojeira.” A. C. D. Turma 7.
“No povoado onde moro tem um vizinho que vive de
catar lixo e vende. Aí eu separo e tem outras pessoa do povoado que
também faz isso para ajudar.” V. R. Turma 6.
“Peguei uma briga com uma vizinha que tinha o quintal
cheio de lixo. Já tinha avisado a ele que aquele lixo ia atrair o
mosquito da dengue. Quando minha filha ficou com dengue eu fiz a
maior confusão com ela” R. N. Turma 5.
“No Povoado Bom Prazer não passa o carro de lixo.
Então o povo queima. Vai ficar com o lugar cheio de lixo?” M. L.
M. Turma 7.
Percebe-se que cada fala relaciona o lixo ao seu bem
estar: ambiente visualmente desagradável, saúde, solidariedade. Não
que esses aspectos e valores não sejam importantes, muito pelo
contrário. No entanto, outras preocupações não foram
expressadas, como a poluição da água e do solo. Mas esses pontos
foram jogados no debate pela professora. Depois foi solicitados que
os alunos escrevessem um texto/redação com que foi discutido em
sala de aula da mesma maneira que se expressaram oralmente. Isso
facilitou bastante o desenvolvimento dos textos.
Dentro desse debate foi questionado o destino do lixo
de Irecê e das cidades circunvizinhas, a importância da cooperativa
de reciclagem e os problemas ambientais causados por ele.
O destino do lixo de Irecê é encaminhado para o lixão
à céu aberto, sem controle sanitário, com dejetos hospitalar,
domiciliar, agrícola e comercial misturados, gerando elementos
tóxicos. Além disso atrai animais vetores de doenças como ratos,
mosquitos e baratas comprometendo a saúde de pessoas que moram em
comunidades entorno do lixão. Também foi mencionado as outras
formas de destinação do lixo: aterros sanitários e incineradores,
estes com controle sanitário, possibilitando, em termos o controle
ambiental e segurança a saúde. Além disso discutimos a “Regra
dos 3 R's” - Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
No final da unidade foi passado um questionário sem
valor avaliativo para os alunos, mas para avaliar o projeto aplicado
na 2ª unidade. Apenas 24 alunos responderam o questionário (apesar
de muito mais alunos participarem das atividades). Quando foram
perguntados sobre o ato de separar o lixo em recicláveis e não
recicláveis obtivemos as seguintes respostas:
- 8 (oito) alunos responderam que não separa o lixo;
- 6 (seis) alunos responderam que sempre separou o lixo e;
- 10 (dez) alunos responderam que passaram a separar o lixo depois das discussões na escola.
Isso mostra que a Educação Ambiental é um importante instrumento
na transformação de atitudes. Nós, seres humanos, temos o poder de
fazer escolhas, e o processo educacional pode contribuir para a mudança comportamental, mudança no modo de vida – de um estilo
poluidor e consumista de vida para uma nova relação saudável com o
planeta, e a Educação Ambiental torna isso mais fácil, pois é um
processo educativo permanente, dinâmico criativo e interativo. E
através da dialogicidade, seres inacabados (educando e educador) se
tornam seres éticos, dedicados na construção e ao exercício da
cidadania e que se sintam parte da vida planetária (FREIRE, 1997;
GADOTTI, 2008; NARDI, 2005).
Como afirma Moacir Gadotti (2009) no seu livro Educação de Adultos
como Direito Humano:
Precisamos mudar a visão do
sujeito da Educação de Adulto. Ele não é carente e vulnerável,
mas sujeito de direitos, sujeito que não é ignorante, que sabe
criar saberes , que sabe muitas coisas, como seus saberes essenciais
à vida humana e a conservação do planeta. (GADOTTI, 2009, p. 25).
Apesar de ser um trabalho pontual, ele mostrou que é possível a
mudança de atitudes através da Educação Ambiental, mesmo que
adultos, e que aprendizagem significativa e emancipadora (já que a
falta de oportunidade de ingressar na escola na “idade própria”
lhes priva da liberdade) pode acontecer de fato. Mas para que isso
aconteça, a relação entre educador e educando deve ser de troca,
pois nunca é tarde para aprender e ensinar.
Referências
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1997.
GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade: uma
contribuição à década da educação para o desenvolvimento
sustentável. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo
Freire, 2008.
________. Educação
de Adultos como Direito Humano.
São Paulo: Editora e Livraria Paulo Freire, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário